domingo, 8 de março de 2009

SALÁRIO ATRASADO DEIXA TIMES SEM RUMO, AVALIA PSICÓLOGO

Fábio de Mello Castanho

Contrato assinado, salário pré-estabelecido e planos feitos a partir deste acordo. Quando essa relação entre clube e jogador é abalada pela falta de pagamento, um time de futebol perde o rumo e a psicologia esportiva se torna pouco útil como antídoto para o problema.

A avaliação feita pelo psicólogo esportivo João Ricardo Cozac, em contato com o portal Terra, serve como uma das explicações para o atual momento do Flamengo, eliminado pelo modesto Resende nas semifinais da Taça Guanabara. Com salários atrasados desde dezembro, os jogadores rubro-negros convivem com uma incerteza que só gera problemas.

"Essa recorrência nos atrasos acaba gerando um clima de incerteza e insegurança. Isso mexe com o campo motivacional. Ele eleva o nível de precipitação, de ansiedade de um jogador. Na cabeça deles é uma obrigação o pagamento. Com que tipo de suporte emocional ele vai jogar se as contas estão chegando e ele não tem previsão para pagar?", questiona o psicólogo, com experiência de ter desenvolvido trabalhos no Palmeiras, Cruzeiro e Goiás.

Antes da semifinal contra o Resende, a diretoria do Flamengo chegou a anunciar que todos as dívidas com o time profissional seriam saldadas até esta segunda-feira, sendo que parte cairia na conta dos jogadores ainda na sexta-feira. O prazo não foi cumprido e, segundo o diretor de futebol do clube, Plínio Serpa, a promessa é de encerrar as pendências financeiras em até dez dias.

Para Cozac, o trabalho de um psicólogo fica prejudicado em casos como este. "O profissional se depara com a falta de um contingente higiênico (não gera motivação, mas na ausência provoca desmotivação). O psicólogo não tem muito o quê fazer. Tem que mexer com a auto-estima a com a superação, mas nessa situação é difícil".

O "buraco" na equipe ainda é agravado pelas diferenças entre os salários de um elenco. Na avaliação de Cozac, o jogador que ganha mais costuma viver com estabilidade por um período maior sem salário, mas quem tem as contas mais apertadas sofre com mais intensidade a falta de dinheiro. "Isso é capaz de promover desencontros, brigas. Vai minando a união. A falta de salários pode rachar o grupo".

Quando a falta de compromisso do clube se torna pública, o jogador costuma ser vítima ainda de uma pressão externa. É normal nestes períodos a palavra mercenário aparecer nos cânticos dos torcedores quando o time perde em rendimento.

"Tudo isso somado forma uma pressão que compromete a cabeça do jogador. A emoção está ligada com o desempenho físico. Se sua parte emocional não estiver em dia, haverá reflexos no físico. Os jogadores ficarão inseguros e nervosos", explicou.

Coincidência ou não, o Flamengo teve na semifinal, pela primeira vez na competição, dois jogadores expulsos (Aírton e Fábio Luciano), ambos no primeiro tempo. O time ainda cometeu um pênalti e estava visivelmente longe do equilíbrio esperado para um jogo decisivo.

A instabilidade emocional ainda pôde ser vista nos treinos seguintes à eliminação, quando o lateral Juan e o volante Jônatas reclamaram da carga de treino físico e o técnico Cuca respondeu com a promessa de atividades em período integral e muito suor.

O treinador, no entanto, prefere minimizar a influência da falta de pagamentos na má fase do clube. "Em qualquer setor em que se trabalhe é natural que haja esse desconforto. Alguém pode ter uma necessidade maior do que a do outro, mas a gente está aqui para se ajudar. A gente tem que saber diferenciar a situação fora do campo do problema dentro do campo. Temos que entrar, trabalhar e tentar evoluir", afirmou em entrevista ao Sportv.

A diretoria, por meio do diretor Plínio Serpa, também preferiu transferir a responsabilidade da eliminação vexatória para outros assuntos. "Fizemos o maior numero de pontos do primeiro turno, mas tivemos uma tarde atípica, com dois jogadores expulsos e uma arbitragem confusa (de Felipe Gomes da Silva). O treinador sabe como proceder nestes momentos. Teremos três times grandes de fora da final da Taça Guanabara", justificou.

Trabalho árduo

Em entrevista à Rádio Brasil, o psicólogo do Flamengo, Paulo Ribeiro, mostrou confiança na reversão do quadro emocional dos jogadores rubro-negros. Ele disse que está acostumado a trabalhar com situações como essa no clube e vai conduzir um programa individual a partir desta semana.

Mas se depender da experiência do psicólogo João Ricardo Cozac, o trabalho será árduo. No Goiás, em 1998, Cozac foi contratado às pressas para evitar o rebaixamento do clube e encontrou um grupo desmotivado, com dinheiro a receber e contas a pagar. "Não tinha muito o quê fazer", lembra. O time goiano, sob comando de Carlos Alberto Silva, caiu para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro.

Pelo menos em um aspecto o Flamengo pode levar vantagem. Naquela época, o psicólogo conta que era comum dirigentes segurarem o salário com a idéia de "motivar" o grupo, em um claro caso de rescaldo da cultura do "bicho" no futebol. "Tinha gente que achava que o jogador só devia receber se rendesse em campo. Hoje essa prática é mais rara. Os problemas são financeiros. Os clubes sabem que não pagar só traz prejuízos para o time".

Fonte: Redação Terra

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