sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Traduzindo o universo do futebol feminino

Leda Maria da Costa (UERJ)

...

torcedora do passado2JPG Algumas torcidas organizadas femininas que vem sendo criadas têm como lema uma oposição às Maria-chuteiras. Uma bom exemplo é o núcleo feminino da Dragões da Real (torcida organizada do São Paulo Futebol Clube) que tentam se justificar como “autênticas” torcedoras, pois: “ ‘Marias chuteiras’. torcedora do passadoEra assim rotulada a presença feminina nos estádios brasileiros pelos mais machistas. Se referiam desta forma às mulheres que iam aos estádios não para torcer, mas para ver seus ídolos. Podemos dizer que esta visão sobre a presença feminina já quase não existe, embora as “marias chuteiras” continuem existindo, hoje são absoluta minoria nos estádios. Logo foi percebida a presença das verdadeiras torcedoras em grandes clássicos, em caravanas para outros estados e até outros países, presença esta que não podia ser ignorada” (www.dragoesdareal.com.br/nucleos/femin.html)

A participação feminina nos estádios de futebol foi maior do que muitos possam imaginar. No início do século XX, quando o futebol consistia num evento social da moda, era muito grande o número de senhoras e senhoritas acompanhando as partidas. Já com a popularização do esporte, essa freqüência diminui um pouco. Na copa do Mundo de 50 a presença delas é festejada por cronistas esportivos que vêem no fato um sinal de que o Maracanã ficaria mais gracioso e belo (MOURA, 1998). Hoje em dia a imprensa parece agir do mesmo modo, por isso as câmeras televisivas privilegiam a captação de rostos femininos nas arquibancadas. Por não estar associada à imagem de violência a participação das mulheres nos estádio pode funcionar como uma boa propaganda para o futebol. E o comparecimento delas não só vem aumentado como se especializando.

femininas Muitas torcidas organizadas têm ganhado versões femininas. Camisa 12 (Vasco da Gama), Dragões da Real (São Paulo), Gatas da Fiel (Payssandu) etc. O território das organizadas, que antes era masculino, vem nos últimos anos incorporando mulheres para comporem seus quadros. Essas instituições formam-se a partir do desejo de demarcar territórios e torná-los quase intransponíveis (Toledo, 1996). Em parte, elas representam exemplos de resistência às tendências atuais de uma cultura cada vez mais híbrida e globalizada. Enquanto a excessiva mobilidade contemporânea tem enfraquecido o sentido de conceitos como nação, lugar e casa, é perceptível que muitas torcidas organizam-se em torno da noção de pertencimento. Caminham na direção contrária dos não-lugares de Marc Augé (2004). Suas sedes congregam valores e memórias que são compartilhadas por pessoas de várias idades, localidades, crenças religiosas e origem social. No entanto, essas diferenças tendem a ser englobadas por um laço que os unifica: o emblema de uma torcida. Ser da Força Jovem, ser da Raça Rubro Negra ou da Gaviões da Fiel confere ao indivíduo status diferenciado. Optar por uma dessas instituições significar torná-la parte de sua identidade que deseja ser única e impenetrável. Muitas dessas torcidas são, como o oriente e o ocidente de Samuel Huntington, universos incompatíveis (1997: 383). As facções de torcidas femininas buscam uma diferenciação a mais. Assim como todo membro de uma organizada, querem diferenciar-se dos torcedores comuns. Mas desejam também se diferenciar na sua condição de mulher.

Seja como espectadora ou praticante, a incorporação da mulher em diversas modalidades esportivas, além do futebol, apontam para importantes mudanças na cultura contemporânea. Apontam para novos espaços a serem ocupados pelas mulheres. Espaços cada vez mais públicos. Nossa percepção quanto aos seus papéis e ao seu corpo conseqüentemente acompanham essas transformações. O ideal de beleza feminina vem sofrendo forte influência do mundo esportivo. Com isso, deixou de ser tão absurdo ver um corpo feminino um pouco mais musculoso do que de costume. Ao contrário, as atletas têm se tornado símbolos de beleza. Beleza aliada à saúde. Esse cenário é muito diferente de anos atrás. Nos jogos da primavera da década de 1950, por exemplo, que contavam com a participação de alunos das algumas escolas cariocas, a garota Lia Miranda havia sido campeã em salto ornamental, natação, balé aquático e outras tantas modalidades. Numa matéria de Ronaldo Bôscoli publicada pela revista Manchete lê-se que apesar de Lia se dedicar a tantos esportes “a harmonia de sua plástica feminina não se compromete nem se perturba mentalmente com tantos êxitos. Orgulha-se apenas de ser uma boa estudante, com projetos simples de casar-se e ser uma dona de casa bem organizada”.[“Lia a cobra em 14 esportes”. Revista Manchete 31/10/1959.]

torcida feminina ferrim A opção do casamento deixou de ser uma obrigação para a mulher e também uma fonte de orgulho. A carreira, inclusive a de esportista, tem sido cada vez mais priorizada. Numa recente pesquisa realizada pela IUPERJ (Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro) demonstra que há um enfraquecimento dos conceitos tradicionais na sociedade brasileira com relação, por exemplo, à importância do casamento. Das entrevistadas apenas 44% afirmam considerar as mulheres casadas mais felizes do que as solteiras.[Jornal da Faperj. Rio de Janeiro, ano 1, n. 2, maio-junho de 2004, p. 9]

Em várias atividades elas se tornaram destaque. Especificamente no que se refere ao esporte nomes como Nadia Comaneci são mundialmente conhecidos. No futebol somente a seleção feminina estará competindo nos Jogos. Mas no caso delas ainda falta uma longa estrada até que sejam vistas com mais “naturalidade” pelos brasileiros. E isso gera uma série de dificuldades para quem decide se tornar uma jogadora. Faltam patrocínio, investimento e público. Enquanto há os hinos-Ronaldinho, hinos-Romário, e vários outros, as mulheres do futebol, no Brasil, ainda não foram cantadas (Sloterdjik, 2003). Para o serem precisam sair do país e buscar reconhecimento em outro lugar. Kátia Cilene, Pretinha e Marta, integram equipes americanas de futebol feminino. Lá, dão autógrafos. Recebem uma ótima remuneração. E raramente são questionadas por jogarem futebol. São mulheres de uma cultura viajante que levou a bola para várias partes do planeta e fez do futebol um esporte mundializado. Por não ficarem restritas somente ao aspecto local, novas possibilidades de incorporação surgem.

Na atualidade, os esportes são capazes de fascinar e mobilizar milhares de pessoas. Foram transformados em espetáculo. Um tipo de espetáculo que não tem desejado esgotar-se em si mesmo. Ao contrário, o esporte tem ganhado uma dimensão política significativa e o recente amistoso entre as seleções brasileira e haitiana são indicativos dessa hipótese. No atual contexto de extrema preocupação com possíveis confrontos bélicos entre nações, a prática esportiva se transforma no espaço onde se tenta erguer a bandeira da convivência pacífica entre as diferenças.

Nesse processo de democratização esportiva temos como exemplo a incorporação da mulher. E futuramente outras tantas incorporações podem surgir. Especificamente em relação ao futebol, a modalidade feminina apesar de algumas dificuldades tem muitas possibilidades de ampliarem seu domínio. Estados Unidos, China e Alemanha são potências do futebol feminino. Todas já foram campeãs do torneio mundial dessa modalidade. Torneio inaugurado em 1991 e que foi vencido pela equipe Chinesa. No Mundial de 1999 os Estados Unidos sagraram-se campeões e com essa vitória o time feminino ganhou a capa das importantes revistas Time, NewsWeek e Sport Illustrated. E a jogadora Mia Hamm - a mesma que Pelé inseriu em sua lista dos melhores jogadores de todos os tempos - se transformou num ídolo nacional. renata fan 2A boa acolhida no exterior fez com que o Brasil começasse a olhar com outros olhos para o futebol feminino. Nesse sentido, seu processo de tradução, em terras brasileiras, inevitavelmente implica negociação de significados e esse processo está em constante diálogo com questões como mercado consumidor e globalização.

A possibilidade de sucesso profissional das meninas, e de sua transformação em ídolos, modificou a própria postura das famílias. Se antes, pais e mães não aceitavam o fato de verem suas filhas trocarem bonecas por bolas de futebol hoje em dia eles podem nutrir esperanças de vê-las na telinha da TV comemorando um gol e mandando beijinhos.

Fonte: Artigo - Traduzindo o universo do futebol feminino de Leda Maria da Costa (UERJ)

Nenhum comentário: